segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Saideira


Na minha janela
Não tem fogos

Naquela viola, que não é minha
Um samba, um chorinho

Levo uma flor no cabelo
E a esperança no sorriso.

No meu coração, ainda te levo. 


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Esvai


A cada segundo que passa
Se esvai
Como areia numa ampulheta
Como o sentimento entre meus dedos

Cada esforço é vão
Cada luta é desleal

Éter sutil
Os resquícios de amor não sobrevivem
À sequencia absurda
de erros  e horrores

oroboros do amor
talvez seja o final de um ciclo
assim como começou
esvai
se vai

oroboros do amor
e fui eu quem me devorou

sábado, 24 de novembro de 2012

Atmosfera


Nosso beijo choveu nos lábios
como chuva de verão
leve
como brisa

Iansã em mim,
anseio por ser tempestade em ti
anseio por um beijo que seja vendaval
com ventos que misturem
os sentimentos
com águas que lavem
a alma

E depois da tempestade, meu bem
sempre vem a calmaria
da minha respiração no teu pescoço
do teu peito junto ao meu

essa calmaria de ventar nos teus braços.




terça-feira, 30 de outubro de 2012

Câmara escura: fotografia da alma


Desligo o termostato e apago as luzes. Ali vou despir meu corpo e nessas palavras vou despir a alma.
Pra me fazer nua mais uma vez.
Pra me fazer tua mais uma vez.
Deixo o luar banhar minhas costas, e a água fria escorrer pela nuca. Porque é quando fecho meus olhos para o mundo e me deixo guiar pelo que sinto na ponta dos dedos e no fundo da alma que me faço completa. Porque é quando sinto a respiração ofegar, quando sinto minhas mãos tremendo sinto cada partícula do meu corpo se transformar em energia.
E então sinto que te toco. No arrepio da pele sinto teus dedos e no fundo só sinto a tua falta.
 Fecho os olhos e quando respiro, eu por fim me inspiro.
Por mim, me inspiro.
 Por fim, respiro.
 Rodopio e sublimo: o luar me presenteia e se faz palpável. Percebo o regalo e estremeço com a dádiva. Tenho a companhia da lua que se materializa para mim. Dois raios de luz se encontram e nessa intensidade eu quase sinto entre meus dedos. Eu lembro quando os nossos sentimentos se encontravam sem querer e quase podíamos tocá-los. Será que é um presente teu ou da lua para que eu volte a sentir?
Atravesso a parede pra saber se do outro lado é tão intenso. Como sempre quis fazer e atravessar teu peito.
As palavras te evocam sem querer e eu sinto teu nome reverberar em mim.
O tecido na minha pele é muito mais intenso e meus olhos se fecham. Como se fecham quando eu lembro o significado por trás de tuas palavras.
Meu coração continua disparado, como sempre desde que eu tento aprisionar a poesia nas palavras. Aprisioná-la com dedos suaves para que venhas e a liberte. Para que ofereças a ela a liberdade de viver também no teu sentimento.
Vem e leva. É também tua. 


terça-feira, 9 de outubro de 2012

Retalhos (I)




Uma solidão que me entra pelos poros, marulha meu estômago e torna meus olhos em cachoeiras. (12/08/2011)

Quedaron  trás de mi casi dos años, y dos mil millones de anhelos de usted. (12/06/2012)

A vida são as folhas secas crepitando sob os pés na suave noite de outono. É a brisa ao virar uma esquina. A vida é o gato branco deitado nos trilhos do trem, que se retira sorrateiramente quando viramos as costas, seduzidos pela vida que também é a folha de jornal levada pelo vento. (15/06/2012)

Se algum dia tivesse sido tua, poderia dizer que hoje já não sou. Mas, não tendo sido, serei eternamente. (11/07/2012)

Chega de procurar quem me faça viver num mundo de fantasia e me arranque suspiros. Quero aquele que me desperte pra poesia do mundo real e conquiste meus gemidos. (09/10/2012)


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Marte em agosto


Marte em agosto
Partes em agosto
Me fazes
em desgosto

Sonhos de crepúsculos lilases
De finais feitos em recomeço
Ciclos, pressupostos
O indecifrável no teu rosto
E o teu rosto na lembrança

Ilusões todas feitas como
Marte em agosto
E eu não vou admitir
O quanto eu gosto.  


sábado, 18 de agosto de 2012

Desencontrar


Enquanto teus olhos me procuram furtivos,
Eu me desencontro do meu sorriso
Procuro não pensar em ti
Mas meus olhos teimam em te reconhecer
Em cada sopro de dentes-de-leão
Eu insisto em te lembrar
Em cada vago perfume que pareça o teu

Preciso perder dentro de mim
Esse recanto onde te guardei
Preciso desencontrar tua memória
Pra encontrar paz.

Façamos um acordo, meu bem.
Tu me contas as coisas que te lembram de mim
E eu confesso as poucas que não me deixam lembrar de ti. 


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Wonderland... Wonderwall


ou Outra Carta Que Eu Não Enviei


Me peguei pensando em você e sentindo uma dorzinha incômoda quando li um trecho daquela música que foi nossa sendo só, só minha. Acho que é porque sonhei com você. Sonhei que você me mandava uma daquelas tuas mensagens loucas e dramáticas no meio da madrugada, simplesmente sem motivo e depois de todo esse tempo. Dizendo que me amava e que um dia ainda nos pertenceríamos. Seríamos um do outro.
Sonhei com você, Chapeleiro Maluco. Com cogumelos do tamanho de assentos. É, essa foi inesquecível. Com sorvetes de Mario Bros.  Sonhei com mãos dadas enquanto dirigia e com carros antigos. Sonhei com você assim, meio Jack Kerouac. Jack Kerouac ouvindo Oasis, segurando em silêncio minha mão enquanto pensava em outra pessoa. O meu favorito de todos os canalhas. E espero que você tenha perdido o hábito de me ler e dizer que sou sempre muito óbvia, porque dessa vez é mesmo muito óbvio.
Eu ainda não desci de cima do muro e aqui é muito confortável. A vista é linda. Juro. A vista é muito linda. E você deveria experimentar. Esse texto nem é uma declaração de amor apaixonada e arrependida, mas é uma declaração de saudade da nossa amizade gauche, dos teus velhos de cartola e dos cachorros na pracinha. Eu nunca fui apaixonada por você, bem o sabes. Sabes também que nossa amizade dá saudade não só no verão. Mas esse texto é um lamento, por tudo que ficou pra trás, por todos os “se”, por todos os “talvez”, e por ter sonhado com você. 

“There are many things that I would like to say to you
But I don't know how”


terça-feira, 31 de julho de 2012

Telúrico e Feérico



A poesia nasce com a manhã
nasce com o cheiro da chuva
e às vezes nasce telúrica
brotando vivaz por entre a terra

Ou pode nascer do calor do sol
que incita ao  movimento
às vezes é nuvem 
e se insinua sutilmente

é também luz que se revela
entre os galhos da faia

como fada que voa e já foi

Mas sempre vive
me vive
me domina
preenche
me respira.

E o sopro da vida eu observo na pele
Enquanto te sinto respirar. 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

In Comum


Vem. Vem comigo nessa experiência meio voyeur de observar essa criatura tão etérea e tão palpável. Não precisa se preocupar, ela não vai se importar. Vou te contar um segredo: ela gosta de se imaginar observada. Então, vem comigo e vamos observá-la enquanto pega o casaco pesado no final do expediente e se despede de todos com um sorriso cheio de amor pelo trabalho que faz.
Ela desce as escadas com os passos firmes de quem anda com a cabeça nas nuvens. Quando o ar frio toca a pele do rosto, ela respira fundo com o ar de satisfação de quem se enche com uma nova lufada de vida. Preciso te contar outro segredo sobre ela: andar no minuano gelado destas paragens do sul, embrulhada nos casacos que ela acha um charme, é uma das paixões que ela cultiva.
Ela caminha pelas ruas onde os carros e as pessoas parecem tão sofisticados e superiores e ri por dentro. Observe-a com cuidado enquanto ela cruza a praça, murmurando com um meio sorriso no rosto. Esse meio sorriso é teu, meu amigo. Esse meio sorriso é pra ti, pela tua lembrança. Tu, que nem ao menos tem ideia da dádiva que recebeste quando ela te dedicou a maciez daqueles pensamentos e daqueles lábios.
Agora ela já está passando em frente à pequena igreja, pensando só Deus sabe (sabe?) em quê. Talvez ainda em ti. Em quais palavras dizer pra te capturar. Ao passar pelo velho hotel, que talvez um dia fora grande, ela deixa que as recordações do passado deem àquele olhar um brilho diferente. Tu já pudeste ver esse brilho, quando deliberadamente tocou no nome dele. É um brilho misto de dor, saudade e felicidade, tudo devidamente cicatrizado. E o tumulto do horário em que todos voltam pra casa faz com que ela prolongue a parada em frente a esse palco de memórias.
Mas... Ela segue, e não podemos perdê-la de vista. Olhe para seus pés e seu sorriso discreto enquanto atravessa os trilhos do trem sob a fraca iluminação das luzes que ficaram pra trás. O vazio do lugar que ela passa agora contrasta nitidamente com a multiplicidade que ela carrega dentro de si. Nada lá fora... tudo acontece dentro dela.
Perceba, companheiro, que na próxima esquina os ébrios se reúnem pra encher a cara e esquecer que vivem. Nenhum deles a incomoda. Porque ela não é bonita. Ela é poética. E a beleza do que é lírico não foi feita para todos os olhares. Tu vês? Consegue sentir o poema que flui naquelas veias? E te pergunto, meu caro, como tu consegues ser indiferente, quando tu também sabes que és o “tu”, o “ele”, o alguém em cada poema dela?
Nesse momento ela vive um pequeno êxtase. Estamos, eu, tu e ela, na parte alta da cidade, de onde se descortina uma vista privilegiada. Ela adora ver as luzes da cidade enquanto desce em direção à ela. Adora brincar mentalmente com as metáforas que isso pode gerar. Ela gostaria que todos percebessem que às vezes descer pode significar iluminação. Ou que não basta ver as luzes e continuar distante delas. E porque ela sabe disso, segue sem medo na direção das luzes.
Passa por casas muito ricas... Mas agora vou te contar mais um segredo sobre ela. Enquanto isso acontece, ela pensa numa casa feita de sonhos entre muitas árvores, com a tinta descascando e fumaça na chaminé. O abandono quase a convida.
Nessa descida para o centro das luzes, passa pela pequena loja onde os olhos de um marido que não é seu a observam disfarçadamente. Ela sabe. E talvez até goste, embora não confessará jamais. O que ela te diz sem medo é que esses olhares não fazem a menor diferença quando os devaneios dela são povoados pelos teus olhares, que ofertas a outrem.
Vês, amigo, ali naquela esquina? Eu sei. Agora não há nada. Mas houve. Casa, família, vida. E depois houve o fogo. Ela não saberia te dizer se a agrada mais imaginar a doce rotina de um lar que já não existe ou a imagem sedutora das chamas. Estamos quase chegando ao destino final dessa nossa curta viagem. Enquanto alguns poucos automóveis transitam pela rua quase esquecida, ela quase nada vê. Porque se deixa seduzir pela neblina ao longe e pelo movimento dos cachos de seu próprio cabelo.
Ela atende com indignação uma ligação, e você pode ouvir sua impaciência quando lhe cobram dez minutos de atraso. Amor e preocupação? Ela vai chamar de falta de liberdade, tu bem o sabes. Está na esquina do conforto doméstico e já começa a sentir a cobrança. Mas, por enquanto, ainda tem o ar gélido do inverno do sul pra acariciar suavemente o rosto.
Abre o portão alto, pensado para dar aquela fictícia sensação de segurança, e atravessa com passos leves sobre o gramado, como quem anda sobre fadas. Abre a porta e tu podes ouvir daqui o cumprimento alegre de quem retorna à casa.
Aqui, meu caro, nós a deixaremos. Porque já fomos longe na nossa viagem voyeur mundo afora e coração a dentro. Mas, quero te contar um último segredo. Que tu já sabes. Ela está em casa... Mas te dirias num sorriso agridoce: “meu lar é onde o vento sopra”. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Chama(n)do


Venha.
Não olhe a hora.
Olhe em meus olhos e seja meu mundo.
Movimente meu universo com o teu sorriso,
e pare meu coração.       
Suspenda minha respiração
e eleva esse sentimento.
Leva, leva contigo essa recordação.
Me leva
Me deixa
Ser eu
Tira a poesia das minhas palavras
E deposita nos meus lábios com um beijo.
Tira meu alimento
Me dá vida longe da tinta e papel
Leva esse lamento.
Vem,
e me descortina ao vento.
Vem.
Não demora.




28/01/2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Um parágrafo sobre calor no inverno sulista

Você viu em meus olhos o desamparo e eu vi em teus olhos a preocupação. Não procuro e nem preciso entender porque teus braços me envolveram, mas me fizeram bem. Ouvir tua voz serena murmurando palavras doces pra me acalmar, enquanto molhava teu peito com as lágrimas confusas que meus olhos insistiam em derramar. Adorei o jeito que o mundo parou enquanto eu sentia tua mão acariciar meus cabelos e as minhas queriam, mas sem coragem, se emaranhar pelos fios grisalhos do teu. Ao invés disso, pararam desajeitadas ao redor da tua cintura. Cada segundo repousando no abrigo do teu calor aquecia minha alma. Pude sentir tua força que me oferecia aconchego e segurança. Pude ouvir teu coração batendo e isso me desconcertou. Quis acelerar aquele pulsar e te desconcertar tanto quanto você me desconstrói. Quis saber se teus olhos se fechavam como os meus, ou ao menos se perdiam ao longe. Quis saber se era banal pra você. Meus óculos embaçados ao final de tudo, teu riso que a barba torna misterioso e tuas piadas, me deram a sensação de estar no lugar certo. Foi só um abraço (foi, cavalheiro?), eu sei. Muito exclusivo, preocupado e carinhoso. Mas só um abraço. E se foi, eu não sei por que não pode ser mais. Eu não sei por que eu quero mais.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

Orvalho


Inundar de sensações o teu peito
com as pequenas gotas de orvalho
que caem
da minha poesia
e dos meus cabelos.

O cheiro do capim e  a
cor da relva
o orvalho que recobre os sonhos
e a chuva que molha
minha realidade
eu só quero ver
os primeiros raios
surgirem com o calor da tua mão
na minha.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Vermes Machadianos


– Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos: nós roemos. “  Machado de Assis – Dom Casmurro


Você é um verme. Sim, você é um verme. Ou já foi. Ou será. Não se ofenda. Já fui muito verme também. Às vezes ainda sou, e tenho certeza que ainda serei outras tantas vezes. Somos vermes quando aceitamos tacitamente qualquer coisa. 
A sociedade está completamente bichada. Tomada por vermes que leem, ouvem, riem, trabalham, fazem, casam sem saber, escolher, amar ou detestar. Apenas roem. Vermes que leem livros, jornais, revistas e não pensam sobre o que leram. Vermes que escutam a música da moda (ainda que só quando estão “no clima”) e dançam. Vermes que quando escutam pseudopiadas riem e gargalham com gosto só porque Fulano de Tal é Fulano de Tal. Vermes que todos os dias fazem um trabalho que odeiam, de forma mecânica, pelo salário no final do mês. Vermes que se casam, constituem família, e dizem amar o pobre verme que é seu cônjuge porque alguém um dia disse que se deve casar ou porque é mais cômodo assim. Ou ainda por medo da solidão. Ou por conveniência. Vermes que tem medo são o cúmulo da insignificância. 
Ah, se não fôssemos todos vermes... Ah, se nos deixássemos ter opinião! Ah, se fizéssemos as pazes com a crítica! Que outra vida seria esta. Porque é tão fácil não ser um verme. Tão, tão fácil. Basta pensar e assumir a tua própria identidade. A partir do momento em que usas a tão desprezada (desprezível, para alguns) crítica, a partir desse mágico momento em que o id se reconcilia com o superego e principalmente com o ego (ou seja: que teus desejos e tua capacidade de repreensão estão em harmonia com quem tu és – perdão, ó Freud, pela torpe simplificação) já não és mais um verme! 
Não dói, eu te asseguro. É verdade que os outros vermes não vão mais te aceitar. É verdade também que eles vão te causar repugnância. Mas é ainda mais verdade que tu vais deixar de lado a maleabilidade sem forma e sempre igual de um verme e tornar-te. Simplesmente tornar-TE. Algo além de um pálido reflexo de um mundo bichado com pessoas bichadas de valores bichados. 
Se até agora não consegui te convencer, lanço o último de meus topoi. Definitivamente, vermes são nojentos. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Quando


Quando foi que você saiu do seu mundo
E fixou residência no meu inconsciente?
Derrubou portas, pintou paredes, abriu janelas

Quando foi que você saiu do longínquo
E veio morar na notícia que me desperta pela manhã,
Na poesia de outro muso?

Quando foi que passei a fantasiar você,
Dividir humores e aromas de pimenta rosa
Deslizar minha pele na tua
Na meia luz de um banho ao entardecer?

Quando foi que te fizestes meu
Sem nunca me pertencer?
Em que momento teu calor
Veio viver na minha corrente sanguínea?

Quando foi que se atou
O laço frágil e impossível de desfazer?
Qual dos sorrisos ou desesperos
Fez com que esses nós se colocassem entre nós?

Quando foi que prendi a respiração
E te prendi num instante
Que se prende a cada instante
Em que prendo a respiração?

Quando foi que virou paixão?
Quando foi que a paixão me revirou?


terça-feira, 26 de junho de 2012

Les Bagages



Quisera eu saber por quais estações já andara
Que recordações abrigara
Que paisagens vislumbrara

Quisera eu saber quais as rendas delicadas e
Sedas mui finas e lãs grosseiras carregara
Vestidos de festa, ternos e sobretudos
O macacão do trabalhador

Quisera eu saber que livros e enciclopédias
Folhetos marxistas ou missários encerrara

Quisera eu saber as fotos que transportara
Os pedaços de mundo que protegera
E os sonhos esquecidos no fundo
Perdidos pelo forro
Amarelados pelo tempo
Desgastados pelo movimento

Quisera eu ouvir a história
De uma mala despedaçada
Abandonada na intempérie

Quisera eu não sonhá-las,
Múltiplas e romanceadas
Mas conhece-las,
Ainda que duras
Ainda que com menos suspiros.

Quisera eu vislumbrar o surreal que encerras
Que ultrapassa minhas infinitas realidades
E apreciar o cotidiano de tua poesia
A poesia do teu cotidiano. 

domingo, 17 de junho de 2012

Chiaroscuro


“Nunca consegui amá-las no claro-obscuro dos encontros e das distâncias”
Luis Alberto Warat



Eu não sei o que fui para ti, se o fui. Quem sabe eu ainda seja. Tu ainda és, não só para mim, mas em mim. Quem dera a luz se fizesse então escuridão para que a falta de teus olhos nos meus me trouxesse paz.
Fecho os olhos e vejo claro dentro da escuridão esse cruel jogo de antíteses que representas. Essa significação loucamente confusa e divinamente sensata que só tu conseguiste assumir na minha vida. Para depois sumir.
E eu, paradoxo humano que sou desde tenra idade, busquei na tua figura de poder a ressurreição de um natimorto simulacro de orientação, repressão, alento e recompensa. Busquei, para poder então aniquilar qualquer influência, estando já sob influência. Quis a liberdade nos grilhões do teu abraço.
Hoje vejo a crueldade e a constatei subjugação com que me releguei ao segundo plano. Mas não há remorsos. Je non regrette rien.
Tu, em cada ida e vinda, em cada segundo de força e fragilidade, caráter e desonra, a cada vez que me afaga para então afastar. Tu, criatura do chiaroscuro que me levou ao outro lado da lua.
Talvez seja a ti que aprendi a amar, mesmo sem desejar amar, mesmo sem o realizar. Ou talvez sejam só jogos de luzes que não me deixam ver o que tu já não és, nem chegou a ser.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Delirium


Tens o ar de cultura que te reveste contraculturalmente
Tens o olhar perverso de anjo caído, repleto da paixão que me desperta
Tens o sorriso blasé de um sonho que não se ousa sonhar
Tens a sinceridade quente que cheira a frieza
Entre tantos “ter”, TU ÉS, além do que quis e mais do que terei.
Se és carne, te quero na minha.
Se te deliro ou te pressinto, não sei.
Não és real, nem tuas ideias, eu sei – também as tenho
Surreal
Surreais
Será? 



terça-feira, 8 de maio de 2012

Susanne

- Não é isso, Justine... Não é tão grave assim. 
- Então o que é, Tom? 
- É um cansaço físico. Uma exaustão... Mental, emocional. Eu amo tudo o que faço. Cada tarefa do meu dia, cada perda de tempo. Mas, Justine... Eu sinto falta de algo. Talvez seja alguém, não sei. Uma situação. Realmente não sei. Esse vazio não há escrita, leitura, trabalho ou estudo que preencha. Nada. 
- E aquela mulher? Aquela, Tom, a que te fascinou, e te surpreendeu quando te quis por perto? Susan, Susanne, algo assim. 
- Ela é uma das maiores causas do meu cansaço. Construí algo em cima de expectativas e carências. Nem ao menos construí: imaginei. Mas com imaginação não satisfeita ou concretizada eu sei lidar. Só não sei, Justine, como lidar com essa mulher. Susanne não tem a atitude que se espera de uma mulher como ela. Se perde em subterfúgios, não sabe quando encerrar seus joguinhos. E não me entenda mal... Eu adoro os jogos e subterfúgios de Susanne. Susanne não seria Susanne sem eles. Mas uma mulher tão... mulher deveria saber exatamente o que quer. Ela me fascina e me repele, cada vez mais. 
- O que te tira tanto do sério, Tom? Você sabia exatamente com o que estava se envolvendo quando deixou Susanne tomar essa proporção.
- Susanne tem sido apelativa demais. Talvez nem perceba o que está fazendo quando se perde em elogios para outros caras por aí: o retratista da praça tem muito talento, as poesias do primo de Melissa são sublimes, até o verdureiro tem olhos perturbadores. Não, minha Justine, não é ciúmes. Nem possessividade. É claro que eu concordo que o talento do retratista é imenso! Mas Susanne tem exagerado nesse tipo de coisa, tem feito tudo girar ao redor disso. Eu encaro com bom humor, eu relevo. Porque Susanne não me pertence, e não é algo assim que existe entre nós (mas o que é, Justine? isso também me incomoda). Porque se ela quisesse tanto ao primo de Melissa, ao verdureiro, ou a qualquer um, é bem mulher para fasciná-los como fez comigo. Não precisa de mim para isso, para qualquer tipo de aproximação. E se, deliberadamente me perturba com eles, é porque eu não sei evitar!
- E porque, Tom, meu adorado Tom, você não se afasta de Susanne? 
- Susanne me desafia, me estimula a ir além, a não me conformar, a pensar, a pensar diferente e me superar. Eu não posso abrir mão disso. 
- O que você vai fazer, Tom?
- Não há nada, Justine... Só o tempo pode me dizer. 
- Eu sinto tanto, Tom, por ver você se consumindo assim. 
- Ela me consome e me constrói ao mesmo tempo. 
...
- Justine, vi um Landau incrível na rua hoje. Lembrei de você. 
- Ah, Tom, e onde está a foto?
- Não tinha bateria, Justine. Mas... senti tua falta. E dessa nossa amizade gauche. E... do teu abraço. 
- Eu também, Tom.



quinta-feira, 3 de maio de 2012

Deixa ser


Talvez não seja, enfim
E eu criei um outro mundo ao redor de mim
Mas se for, então
Nunca antes foi igual
E daqui pra frente sempre diferente.

Talvez não seja nada.
Talvez isso seja o mundo, e seja tudo
Talvez não seja o dever-ser
Mas se tem que ser, não vou correr

Se for desatino, é pelas mãos do destino.
Se no final não for,
Por agora
Deixa ser. 

                                                   

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Ode ao Individualismo

Imagine um mundo compartilhado. Imagine um mundo de convívio intenso. Um mundo onde sempre há alguém por perto. Onde a sua realidade não é só sua, é sempre de mais alguém. Pois bem. O mundo que imaginaste é o pesadelo dos individualistas.E veja só: ele é real.
Há uma constante necessidade de um “nós”, um apelo insuportável por dividir seu mundo com alguém. Para quem é individualista, isso é aterrorizante. E, sob outro ponto de vista, é deprimente. Para fins de entendimento, vamos chamar as pessoas que vivem nesse mundo, o criam e por ele sentem apreço de “coletivistas”, o extremo oposto dos individualistas. Se for feita uma análise mais profunda a um coletivista, chegar-se-á a identificação de uma estrutura psicológica abalada, (na maioria dos casos).
A linha de pensamento é a seguinte: quanto mais precisa-se da companhia de outros  e condiciona-se a esta companhia a felicidade, menos o indivíduo sente-se seguro em sua própria companhia e seguro de suas próprias ideias e convicções. Por certo pode haver indivíduos seguros demais, mais aí o abalo residirá no extremo narcisismo e necessidade de aprovação, que uma segunda análise revelará novamente a insegurança e a visão deturpada de mundo, antes mencionada.
A pessoa que possui autocompreensão, auto-aceitação e uma visão do outro como ser uno não será dependente desse convívio intenso que é imposto. A autocompreensão permite que o indivíduo entenda seus sentimentos e pensamentos, perdendo o temor e a apreensão que estes podem causar. Já a auto-aceitação funciona como complemento. Aquele que aceita todas as partes que o compõem, previamente compreendidas, não viverá em conflito interno. É importante que não se confunda autoaceitação com conformismo: este impede que se mude o que não é apreciado, aquela permite que se mude, mantém o espaço para mudança aberto, muito embora não obrigue à mudança.
Por último e talvez mais importante, a visão do outro como ser uno. Quando se pensa e percebe o outro como ser uno, único e independente, é eliminada a necessidade absurda de compartilhamento. Vendo a cada um como indivíduo, e não apenas como parte de uma sociedade da qual também se é membro,  a visão do universo único que compõe cada pessoa é facilitada, bem como o respeito a este universo.
A partir dessas premissas, pode-se chegar a um relacionamento interpessoal ideal: cada qual com a sua individualidade e o seu microcosmos  preservado, com pontos de contato estimulados, sem relações de dependência e criação de expectativas exageradas. Consequentemente, também sem condenações e decepções incontáveis.
Observe-se que não há nesse ponto de vista nenhuma negação da importância do convívio, ou da premissa de que “o homem é um ser social”. É exatamente o contrário: apenas o individualismo pode levar à convivência prazerosa e à relação social por excelência, recíproca, porque despe a relação social do caráter de dependência, e obrigatoriedade.
O individualismo é a desconstrução da alienação, do estranhamento daquilo que se é e faz, e daqueles com quem se escolhe conviver.  É o protesto ao meio de vida onde a única coisa tornada comum é também tornada alheia: o íntimo do ser humano. 
Faça-se dessas poucas linhas um manifesto pelo individualismo. Por um mundo onde se permita o silêncio e seja ofertada a possibilidade de não compartilhar. Por um mundo onde o individualista não seja condenado à viver todos os dias seu maior pesadelo para satisfazer a demência de uma sociedade em que a propriedade é privada e o sujeito é coletivo. 



PS.: Os conceitos de individualismo e coletivismo que usei NÃO se expandem à este coletivismo ou este individualismo. É só, só o que realmente está no texto, ou só no sentido em que foram usados.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Tango


Danço eu e dança você
Quando me estende a tua mão
Quando me estreitas em um olhar

Danças tu e me chamas a bailar
Quando me esquivo
E destilo no riso a dor
De por tão pouco te adorar

Dançamos nós o tango das palavras
Num jogo de recuos e avanços

Pele
Cheiro
Força

Não mais recuo e me tens cativa.
Concedo-te a próxima dança.



terça-feira, 13 de março de 2012

Subversivo

Acima do verso,
subversão.
Sob o verso,
decifrei o que você
subentendia.
Nas entrelinhas eu li
o que você versava
subversão
O proibido que te encanta
nos versos que você canta
subversivamente.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ainda

Ainda respiro.
Entre cinzas e escombros
do que fomos um dia,

ainda respiro.
Inalo as memórias
da felicidade
que asfixiam como fumaça
do amor que ardeu em chamas
e se consumiu na indiferença.

Ainda respiro
porque ainda não lembro de esquecer.
Não sufoco às escondidas
porque me permito arder a céu aberto.

Ainda respiro.
Ainda inspiro saudade.
Ainda expiro poesia.
Ainda...

Transpiro você.