segunda-feira, 28 de abril de 2014

Amor depois

        Não existe lugar melhor para se escrever do que um café, numa fria manhã de segunda-feira, sentindo nos lábios o gosto do espresso e ouvindo tango. O frio e o espresso estimulam a criatividade, o café empresta um pouco do seu glamour às minhas palavras. E o tango? Ah, o tango é a intensidade em forma de som.
“O título é sobre amor e ela está falando sobre frio e café?” Sim, porque no meu texto, como na vida, só se percebe que é sobre amor depois.
Como diria Borges, “se o espaço é infinito, estamos em qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infinito, estamos em qualquer ponto do tempo.” O tempo e o espaço do amor nunca são os mesmos. O ser-aí do apaixonado difere do ser-aí de qualquer humano não-apaixonado.
O amor não se presta a uma perspectiva linear. Não podemos emprestar a um sentimento, atemporal em sua essência, a linearidade falsa que emprestamos à temporalidade.
Amor só é depois.
Amor depois do sexo, nos resquícios de acalanto dos braços quentes que envolvem, do sal na pele e açúcar dos lábios. Amor durante o sexo? Não há amor na carne trêmula que busca no outro a satisfação pela realização do instinto, porque amor é alteridade. Reconhecer-se no outro. Sexo também é alteridade, sexo é sempre (no mínimo) dois. Mas sexo é buscar-se no outro. Finda a busca, eis o amor. Depois.
Amor depois do fim do relacionamento. Depois do fim, quando nada do que era satisfação e bem-estar resta, quando o que sobra é o resto de café frio no fundo da xícara e o gosto amargo de decepção, é que se descobre o amor. Por reconhecer-se no outro, eis que não se deseja a morte por envenenamento e o sangue do coração outrora amado escorrendo entre os dedos. Eis que se vê no outro o digno direito à realização, eis que se vê o amargor transformado em respeito e ternura. Eis então o amor. Depois.
E os amores platônicos, são amores depois? Por supuesto. Não há amor mais depois que o platônico. É amor depois de perder-se a necessidade de correspondência, é amor depois de só restar a esperança e a memória. Depois.
Mas com a infinitude do tempo e a possibilidade de ocupar qualquer de seus espaços, poderemos viver o amor depois ainda que antes. Por isso, não poderia existir outra conjugação do verbo amar que não no presente. O amor é sempre agora, em algum lugar do tempo. E é sempre depois. Não façamos do amor um sentimento expressável em um plano cartesiano. Que o tempo de amar não seja linear.
Teorizar o amor é agora. Amar, deixo pra depois.


terça-feira, 1 de abril de 2014

Travessuras Diabólicas

Os teus beijos tem gosto de morango e cigarro. Os meus, café. Mas o teu cabelo tem cheiro de fruta fresca e a tua pele não absorve o odor da nicotina.Me pego lembrando do contorno da tua boca e tremo. A cada vez, eu temo. Sei do risco quando tu me abraça forte e beija minha têmpora, mas também sei que todos os meus sentimentos já são agridoces há tempos. Não sei é até que ponto devo me preocupar por saber que escondemos sob a sensualidade uma necessidade bem maior que sexo: uma ânsia por um momento de compreensão sem a formalidade de um sentimento.

Nós sempre encontramos a paixão no seu estado bruto e a confidência em seu estado pagão. O amor é, sim, dos anjos, agora te respondo. Isso nunca foi amor, mas se os anjos existem, compactuam com essa travessura diabólica.