terça-feira, 31 de julho de 2012

Telúrico e Feérico



A poesia nasce com a manhã
nasce com o cheiro da chuva
e às vezes nasce telúrica
brotando vivaz por entre a terra

Ou pode nascer do calor do sol
que incita ao  movimento
às vezes é nuvem 
e se insinua sutilmente

é também luz que se revela
entre os galhos da faia

como fada que voa e já foi

Mas sempre vive
me vive
me domina
preenche
me respira.

E o sopro da vida eu observo na pele
Enquanto te sinto respirar. 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

In Comum


Vem. Vem comigo nessa experiência meio voyeur de observar essa criatura tão etérea e tão palpável. Não precisa se preocupar, ela não vai se importar. Vou te contar um segredo: ela gosta de se imaginar observada. Então, vem comigo e vamos observá-la enquanto pega o casaco pesado no final do expediente e se despede de todos com um sorriso cheio de amor pelo trabalho que faz.
Ela desce as escadas com os passos firmes de quem anda com a cabeça nas nuvens. Quando o ar frio toca a pele do rosto, ela respira fundo com o ar de satisfação de quem se enche com uma nova lufada de vida. Preciso te contar outro segredo sobre ela: andar no minuano gelado destas paragens do sul, embrulhada nos casacos que ela acha um charme, é uma das paixões que ela cultiva.
Ela caminha pelas ruas onde os carros e as pessoas parecem tão sofisticados e superiores e ri por dentro. Observe-a com cuidado enquanto ela cruza a praça, murmurando com um meio sorriso no rosto. Esse meio sorriso é teu, meu amigo. Esse meio sorriso é pra ti, pela tua lembrança. Tu, que nem ao menos tem ideia da dádiva que recebeste quando ela te dedicou a maciez daqueles pensamentos e daqueles lábios.
Agora ela já está passando em frente à pequena igreja, pensando só Deus sabe (sabe?) em quê. Talvez ainda em ti. Em quais palavras dizer pra te capturar. Ao passar pelo velho hotel, que talvez um dia fora grande, ela deixa que as recordações do passado deem àquele olhar um brilho diferente. Tu já pudeste ver esse brilho, quando deliberadamente tocou no nome dele. É um brilho misto de dor, saudade e felicidade, tudo devidamente cicatrizado. E o tumulto do horário em que todos voltam pra casa faz com que ela prolongue a parada em frente a esse palco de memórias.
Mas... Ela segue, e não podemos perdê-la de vista. Olhe para seus pés e seu sorriso discreto enquanto atravessa os trilhos do trem sob a fraca iluminação das luzes que ficaram pra trás. O vazio do lugar que ela passa agora contrasta nitidamente com a multiplicidade que ela carrega dentro de si. Nada lá fora... tudo acontece dentro dela.
Perceba, companheiro, que na próxima esquina os ébrios se reúnem pra encher a cara e esquecer que vivem. Nenhum deles a incomoda. Porque ela não é bonita. Ela é poética. E a beleza do que é lírico não foi feita para todos os olhares. Tu vês? Consegue sentir o poema que flui naquelas veias? E te pergunto, meu caro, como tu consegues ser indiferente, quando tu também sabes que és o “tu”, o “ele”, o alguém em cada poema dela?
Nesse momento ela vive um pequeno êxtase. Estamos, eu, tu e ela, na parte alta da cidade, de onde se descortina uma vista privilegiada. Ela adora ver as luzes da cidade enquanto desce em direção à ela. Adora brincar mentalmente com as metáforas que isso pode gerar. Ela gostaria que todos percebessem que às vezes descer pode significar iluminação. Ou que não basta ver as luzes e continuar distante delas. E porque ela sabe disso, segue sem medo na direção das luzes.
Passa por casas muito ricas... Mas agora vou te contar mais um segredo sobre ela. Enquanto isso acontece, ela pensa numa casa feita de sonhos entre muitas árvores, com a tinta descascando e fumaça na chaminé. O abandono quase a convida.
Nessa descida para o centro das luzes, passa pela pequena loja onde os olhos de um marido que não é seu a observam disfarçadamente. Ela sabe. E talvez até goste, embora não confessará jamais. O que ela te diz sem medo é que esses olhares não fazem a menor diferença quando os devaneios dela são povoados pelos teus olhares, que ofertas a outrem.
Vês, amigo, ali naquela esquina? Eu sei. Agora não há nada. Mas houve. Casa, família, vida. E depois houve o fogo. Ela não saberia te dizer se a agrada mais imaginar a doce rotina de um lar que já não existe ou a imagem sedutora das chamas. Estamos quase chegando ao destino final dessa nossa curta viagem. Enquanto alguns poucos automóveis transitam pela rua quase esquecida, ela quase nada vê. Porque se deixa seduzir pela neblina ao longe e pelo movimento dos cachos de seu próprio cabelo.
Ela atende com indignação uma ligação, e você pode ouvir sua impaciência quando lhe cobram dez minutos de atraso. Amor e preocupação? Ela vai chamar de falta de liberdade, tu bem o sabes. Está na esquina do conforto doméstico e já começa a sentir a cobrança. Mas, por enquanto, ainda tem o ar gélido do inverno do sul pra acariciar suavemente o rosto.
Abre o portão alto, pensado para dar aquela fictícia sensação de segurança, e atravessa com passos leves sobre o gramado, como quem anda sobre fadas. Abre a porta e tu podes ouvir daqui o cumprimento alegre de quem retorna à casa.
Aqui, meu caro, nós a deixaremos. Porque já fomos longe na nossa viagem voyeur mundo afora e coração a dentro. Mas, quero te contar um último segredo. Que tu já sabes. Ela está em casa... Mas te dirias num sorriso agridoce: “meu lar é onde o vento sopra”. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Chama(n)do


Venha.
Não olhe a hora.
Olhe em meus olhos e seja meu mundo.
Movimente meu universo com o teu sorriso,
e pare meu coração.       
Suspenda minha respiração
e eleva esse sentimento.
Leva, leva contigo essa recordação.
Me leva
Me deixa
Ser eu
Tira a poesia das minhas palavras
E deposita nos meus lábios com um beijo.
Tira meu alimento
Me dá vida longe da tinta e papel
Leva esse lamento.
Vem,
e me descortina ao vento.
Vem.
Não demora.




28/01/2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

Um parágrafo sobre calor no inverno sulista

Você viu em meus olhos o desamparo e eu vi em teus olhos a preocupação. Não procuro e nem preciso entender porque teus braços me envolveram, mas me fizeram bem. Ouvir tua voz serena murmurando palavras doces pra me acalmar, enquanto molhava teu peito com as lágrimas confusas que meus olhos insistiam em derramar. Adorei o jeito que o mundo parou enquanto eu sentia tua mão acariciar meus cabelos e as minhas queriam, mas sem coragem, se emaranhar pelos fios grisalhos do teu. Ao invés disso, pararam desajeitadas ao redor da tua cintura. Cada segundo repousando no abrigo do teu calor aquecia minha alma. Pude sentir tua força que me oferecia aconchego e segurança. Pude ouvir teu coração batendo e isso me desconcertou. Quis acelerar aquele pulsar e te desconcertar tanto quanto você me desconstrói. Quis saber se teus olhos se fechavam como os meus, ou ao menos se perdiam ao longe. Quis saber se era banal pra você. Meus óculos embaçados ao final de tudo, teu riso que a barba torna misterioso e tuas piadas, me deram a sensação de estar no lugar certo. Foi só um abraço (foi, cavalheiro?), eu sei. Muito exclusivo, preocupado e carinhoso. Mas só um abraço. E se foi, eu não sei por que não pode ser mais. Eu não sei por que eu quero mais.



segunda-feira, 16 de julho de 2012

Orvalho


Inundar de sensações o teu peito
com as pequenas gotas de orvalho
que caem
da minha poesia
e dos meus cabelos.

O cheiro do capim e  a
cor da relva
o orvalho que recobre os sonhos
e a chuva que molha
minha realidade
eu só quero ver
os primeiros raios
surgirem com o calor da tua mão
na minha.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Vermes Machadianos


– Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos: nós roemos. “  Machado de Assis – Dom Casmurro


Você é um verme. Sim, você é um verme. Ou já foi. Ou será. Não se ofenda. Já fui muito verme também. Às vezes ainda sou, e tenho certeza que ainda serei outras tantas vezes. Somos vermes quando aceitamos tacitamente qualquer coisa. 
A sociedade está completamente bichada. Tomada por vermes que leem, ouvem, riem, trabalham, fazem, casam sem saber, escolher, amar ou detestar. Apenas roem. Vermes que leem livros, jornais, revistas e não pensam sobre o que leram. Vermes que escutam a música da moda (ainda que só quando estão “no clima”) e dançam. Vermes que quando escutam pseudopiadas riem e gargalham com gosto só porque Fulano de Tal é Fulano de Tal. Vermes que todos os dias fazem um trabalho que odeiam, de forma mecânica, pelo salário no final do mês. Vermes que se casam, constituem família, e dizem amar o pobre verme que é seu cônjuge porque alguém um dia disse que se deve casar ou porque é mais cômodo assim. Ou ainda por medo da solidão. Ou por conveniência. Vermes que tem medo são o cúmulo da insignificância. 
Ah, se não fôssemos todos vermes... Ah, se nos deixássemos ter opinião! Ah, se fizéssemos as pazes com a crítica! Que outra vida seria esta. Porque é tão fácil não ser um verme. Tão, tão fácil. Basta pensar e assumir a tua própria identidade. A partir do momento em que usas a tão desprezada (desprezível, para alguns) crítica, a partir desse mágico momento em que o id se reconcilia com o superego e principalmente com o ego (ou seja: que teus desejos e tua capacidade de repreensão estão em harmonia com quem tu és – perdão, ó Freud, pela torpe simplificação) já não és mais um verme! 
Não dói, eu te asseguro. É verdade que os outros vermes não vão mais te aceitar. É verdade também que eles vão te causar repugnância. Mas é ainda mais verdade que tu vais deixar de lado a maleabilidade sem forma e sempre igual de um verme e tornar-te. Simplesmente tornar-TE. Algo além de um pálido reflexo de um mundo bichado com pessoas bichadas de valores bichados. 
Se até agora não consegui te convencer, lanço o último de meus topoi. Definitivamente, vermes são nojentos. 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Quando


Quando foi que você saiu do seu mundo
E fixou residência no meu inconsciente?
Derrubou portas, pintou paredes, abriu janelas

Quando foi que você saiu do longínquo
E veio morar na notícia que me desperta pela manhã,
Na poesia de outro muso?

Quando foi que passei a fantasiar você,
Dividir humores e aromas de pimenta rosa
Deslizar minha pele na tua
Na meia luz de um banho ao entardecer?

Quando foi que te fizestes meu
Sem nunca me pertencer?
Em que momento teu calor
Veio viver na minha corrente sanguínea?

Quando foi que se atou
O laço frágil e impossível de desfazer?
Qual dos sorrisos ou desesperos
Fez com que esses nós se colocassem entre nós?

Quando foi que prendi a respiração
E te prendi num instante
Que se prende a cada instante
Em que prendo a respiração?

Quando foi que virou paixão?
Quando foi que a paixão me revirou?