terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Carta a um poeta

Se você estivesse aqui, te convidaria para um café. Naquela rede capitalista, onde nós, esquerda convicta, encontramos um espresso excelente e um refúgio magnífico. Não é contrassenso. Contrassenso é saber que a poetisa em mim ainda te acha inspirador. Contrassenso é dialogar contigo sentada frente à folha em branco.
Eu gostaria de te convidar para um café pra te perguntar, poeta, se essa solidão é crônica. Te perguntar se ela nasce com a gente, impregnada nos ossos, no sangue nos genes, ou se em algum momento que todos desconhecem, a gente a adquire, no cheiro da terra ou numa brisa que sopra vinda de algum lugar.
É que eu percebi que mesmo quando minha gargalhada nada discreta enche a sala e os ouvidos dos meus amigos, mesmo quando os sons que enchem o ambiente são gemidos e mesmo quando me aninho em braços queridos, há uma parte de nós que ninguém toca. Tomo a liberdade de dizer “nós”, poeta, por um lampejo de clarividência que me faz ver nos teus olhos o mesmo que me encara quando paro em frente ao espelho. Essa parte fica reservada para a poesia. A poesia que somos e aquela que escrevemos.
Estive lendo meu favorito, meu delicioso Gabo. Estive tomando café e me embriagando da sétima arte (a propósito, um filme excelente, deverias vê-lo). Estive me identificando com o clã solitário dos Buendía e perguntando às paredes se é genético, crônico ou agudo. Se a solidão é mal de quem nasce assim, com a poesia intrincada na pele, ou se alguns poetas não a experimentam jamais.
Pobres deles, dos que nunca experimentam. Ou pobre de nós, dos que nunca a abandonam? Pobre da solidão, creio eu. Ela escolhe umas almas muito peculiares para montar acampamento.

Encerro esse texto-carta-ensaio assim, sem final, porque também eu permaneço sem respostas.

Escreva-me.

Eu ainda escrevo para ti. Eu ainda escrevo você.


Te escrevo.